26 de novembro de 2010

Ame e dê vexame

     Esse livro de Roberto Freire foi por um tempo uma espécie de bíblia para mim. Pela primeira vez lia em palavras , os sons de alguns dos meus pensamentos. Para alguns é difícil entender a lógica ali contida, até por que fazendo justiça, para alguns não há lógica alguma. Principalmente se o leitor o tomar ao pé da letra, sempre dialogo com os livros e com esse  é preciso mais que nunca usar a criticidade.
 Logo na capa ele já traz o que chama de " Declaração de Amor Anarquista" que diz o seguinte:

Por que te amo, tu não precisas de mim.
Por que tu  me amas, eu não preciso de ti.
No amor, jamais nos deixamos completar
Somos, um para o outro deliciosamente desnecessários.

     Descobri esse livro em 2004 e muito do que estava ali contido, era algo que acreditava e acredito e que tantas vezes foi motivo de discussão entre amigos e meu parceiro. Para eu ser verdadeiramente feliz, eu só preciso de mim. Eu não preciso do outro para ser feliz, eu preciso do outro para compartilhar minha felicidade. Desobrigo o outro a me fazer feliz e me desobrigo a ser responsável pela felicidade de alguém. Freire usa uma música de Gilberto Gil como condutor de vários pontos de vistas defendidos por ele e a qual eu vi reverberar meus pensamentos.


" O seu amor ame-o e deixe-o livre para amar(...) livre para ir onde quiser(...) Ser o que ele é(...)"

Para mim, isso fez e faz todo o sentido do mundo, pelo menos do meu mundo. Não se trata aqui de fidelidade. É infidelidade sentir atração por outro alguém? Se sentir  atraído pelo belo?     Geralmente  o amor é associado a uma forma egoísta de querer. Queremos que o outro só tenha olhos para nós, necessite da gente, mas invariavelmente, ate pela própria natureza, sentimos desejos, atrações e olhamos para outras pessoas. Isso pertence ao físico. Como não admirar o que é belo ou  novo ao nosso olhar? Conheço muitas mulheres/homens que prendem o fôlego ao se deparar com um belo homem/mulher, mas que vira bicho se o seu parceiro olhar pros lados. Eu posso, ele não. 

     Hipocrisia é dessa matéria que é feita a maior parte das relações. Eu só peço que  seja discreto, é impossível negar aos olhos o prazer de algo bonito quando se estar diante dele. Repito, não se trata de infidelidade. E se vai além dos olhos? Se for alguém que está ali ao lado? Nunca neguei, nem pro meu companheiro e nem pro objeto de desejo o meu sentir, sempre procurei ser explicita no falar e na forma de resolver esses desejos. Com alguns tive conversa franca correndo o risco de me confundir, mas creio que isso mais a observação do objeto de desejo, ajuda a desconstruir a idéia que separa o físico do afeto profundo, muitas vezes olhando bem de perto, percebemos que projetamos carências momentâneas e vemos o que desejamos ver ou o que precisamos ver. No livro Freire fala em pessoas que por neurose precisam da mentira para ser feliz: minta para mim que não sente atração por mais ninguém e eu minto sobre isso pra ti também. Isso teoricamente torna as relações mais simples, porém menos verdadeiras. Eu por teimosia ou convicção me nego a mascará o que sinto. Claro conto o milagre mais nunca o nome do santo. É preciso manter alguns segredos. Mas não é recíproco, meu companheiro nunca falou de atração por alguém, mas sei que ele precisa, para ficar bem com ele mesmo, acreditar que nunca sentiu e precisa acreditar que eu acredito.
Em outro parágrafo a minha identificação encontrou o seu eco, Freire diz:
" Duas palavras , especialmente tiveram seu significado naturalmente alienado e tornou-se praticamente impossível o resgate da sua natureza original: amor e liberdade." Por incrível que pareça, muitas pessoas só se sentem amada quando sua liberdade é privada, embora não admita nunca isso em voz alta, precisam sentir-se preso para acreditar no afeto do outro por si. Sobre isso Freire diz:
 “O homem vai encontrar um meio de sentir por si mesmo e pelo outro o seu amor”.
      Confesso aqui meu grande vexame:  Assumo que após ler o livro, quis muito, muito mesmo levar esse conceito de livre para amar a meu parceiro, tirei a aliança, não sei por que, mas parecia incoerente usá-la e quis impor a ele a liberdade, é claro que ele não entendeu nada e como poderia? Quem já viu impor liberdade? Nos últimos anos tentei por várias vezes  convencê-lo a passar um tempo sozinho, já que eu fazia e faço isso. Sempre tirei um tempo sozinha comigo mesma, me afasto, às vezes por um fim de semana, dias e já troquei de endereço por mais de um mês. Preciso ficar sozinha, sem filhos ou parceiro. Em 2008 minha necessidade de solidão era imensa, tinha um desafio criativo a fazer, meu projeto de encenação e o desejo de solidão era tão grande quanto a necessidade de respirar. Afasto-me para me encontrar, para promover um verdadeiro encontro com os meus amores. De todos os amores, incluindo minha mãe, somente os  meus filhos  entenderam e entendem, pois quando volto sinto que sou uma pessoa muito melhor, melhor mãe, melhor filha e parceira.  Queria proporcionar a mesma experiência a meu parceiro, tentei convencê-lo a uma busca individual e ele sempre se negou. Queria que ele fosse mais do que o que podia ou queria ser, queria que ele aceitasse morarmos em casas separadas  e quanto mais liberdade eu oferecia  mais inseguro ele se mostrava.
      Finalmente este ano entendi: Eu estava  impondo a ele liberdade, o meu conceito de liberdade e dei vexame.  Fui incoerente por não deixá-lo livre para escolher sua própria maneira de me amar. Desisti da idéia de morar em casa separada, embora não desista dos meus encontros comigo mesma, e deixei-o verdadeiramente livre para amar a seu modo, entendi o significado da verdadeira liberdade de deixar o outro ser o que é. Passei a aceitar que cada um tem o seu jeito próprio de amar e embora seja meu parceiro, não é o meu jeito. Passei a aceitar esse  amor que precisa do meu olhar, que me quer sempre ao seu lado e ganhei um parceiro mais inteiro, muito mais feliz. Ele quer morar junto para dormir agarradinho toda noite, então aceito. Ele interrompe uma frase minha me roubando um beijo, por que tem urgencia em me beijar. Eu aceito. Eu quero ficar sozinha às vezes, isso ele sempre aceitou, mas hoje ele entende como isso é importante para mim, pois como diz Freire: " é na solidão que podemos avaliar, sem interferências externas, nossa própria inteireza como ser e como pessoa, é quando podemos conviver com o que nos é realmente próprio, original e único" Bom para mim, bom para ele, melhor para nós dois.  Embora ainda me negue a usar aliança. Quem sabe um dia?
" O seu amor ame-o e deixe-o livre para amar"

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